Parmê e Fogo de Chão demitem mais de 1,2 mil funcionários e colocam verbas rescisórias na conta do governo

Depois da rede de lojas de materiais de construção Amoedo, que demitiu cerca de 150 funcionários e sugeriu a eles que pagassem do próprio bolso a um advogado indicado pela empresa para conseguirem na Justiça receber suas verbas rescisórias, é a vez de outra grande marca do Rio de Janeiro agir de maneira considerada erradas por alguns empregados.

Agora, foi a Parmê, rede de pizzarias com mais de 30 lojas espalhadas pela cidade. Segundo relatos de funcionários demitidos, a empresa os dispensou e não pagou todas as verbas rescisórias, argumentando, para tal, que estaria amparada pela lei e que o governo arcaria com o que ficou restando. Ainda segundo os ex-funcionários, teriam sido nada menos que 579 empregados demitidos.

Ex-caixa da loja de Guadalupe, na Zona Norte do Rio, Ana Maria Oliveira, de 36 anos, estava há 5 anos na empresa. Ela diz que foi chamada para assinar a rescisão no último dia 24/04 e que, na ocasião, a Parmê informou que não iria pagar aviso prévio nem a multa de 40% do saldo do FGTS. Ela calcula que devia ter recebido cerca de R$ 4 mil.

”Eles nos colocaram de férias e, na volta, avisaram que não iam abrir mais. Eu devia receber cerca de R$ 4 mil, mas pagaram só R$ 1.700, que já acabaram há muito tempo”, contou a Ana Maria. Para piorar, ela só irá receber a primeira parcela do seguro desemprego no início de junho.

”O Dia das Mães aqui em casa foi com as cestas básicas que consegui. As contas estão atrasadas. Do aluguel de R$ 650, só paguei R$ 400, pois a dona da casa sabe da minha situação”, finalizou a ex-caixa.

Também ex-funcionária da loja de Guadalupe, Larisse dos Santos Firmino trabalhava há 1 ano no estabelecimento. Também assinando a rescisão em 24/04, disse ter recebido somente R$ 500 dos R$ 2.400 aos quais tinha direito.

”Está todo mundo revoltado, e todos vão entrar na Justiça. Só queremos nossos direitos. Eu recebi só R$ 500 de rescisão, e eles disseram que era isso que eu tinha para receber. Falaram que o restante quem ia pagar era o governo. Como assim? Como o governo vai me pagar? Eu não trabalho para o governo”, disse Larisse, que tem um filho de 3 anos e o marido desempregado.

Fogo de Chão também demite funcionários

Alegando ser forçado pelas consequências da pandemia do novo coronavírus, o famoso restaurante de carnes demitiu nada menos que 690 funcionários no mês de abril. Só no ponto de Botafogo, de frente para a baía de Guanabara, dos 82 funcionários, 73 foram demitidos. Situação semelhante ocorreu na filial da Barra da Tijuca. A empresa continua funcionando, trabalhando apenas com ‘delivery’. Além do drama natural causado por demissões, o problema maior é que a empresa se recusa a pagar todas as verbas rescisórias dos empregados, alegando que esta seria uma obrigação do Governo Estadual. O caso se parece com a demissão de 579 empregados da Pizzaria Parmê, que noticiamos ontem aqui.

A churrascaria, hoje uma grande empresa multinacional com ações comercializadas na Bolsa de Nova Iorque – NASDAQ – foi vendida em 2018 à Rhône Capital por 560 milhões de dólares (cerca de 3 bilhões de reais). A Rhone gerencia cerca de 50 bilhões de reais em fundos e investimentos no mundo inteiro.

A Fogo de Chão afirma também no documento, que, “por mera liberalidade” (ou seja, não porque a lei a obrigue, mas sim porque quer dar este benefício ao empregado), vai depositar na conta dos empregados o saldo de férias (proporcionais e vencidas), o adicional de 1/3, e o décimo terceiro proporcional “em até 10 dias”. O documento é reproduzido ao final desta reportagem, e se baseia basicamente no tal artigo 486 da CLT.

O ato causou a revolta de vários funcionários. O barman Felipe Castro, com 4 anos de casa, é um dos que estão indignados. “Para mim, usaram de má fé e do momento pra beneficiar a empresa“, disse. O barman, que é portador de necessidades especiais e teve que retornar para o Piauí por não ter mais condições de se manter no Rio, falou com o DIÁRIO via redes sociais. “O gerente da loja, Sr. Vagner, fez primeiro uma reunião e falou que iria pagar tudo, só não pagaria o aviso prévio. Nós aceitamos e ele mandou assinarmos aquele papel. Assinamos em confiança“, lamentou o funcionário. A funcionária N., na empresa há mais tempo que Felipe, completou: “Botou todos de férias por 10 dias e depois fez reunião para demitir todos e falando que a multa e aviso era pelo Governo, mas como vamos fazer para receber? Ninguém soube informar.”

Funcionários citam que quando descobriram que não iriam receber seus direitos, teria entrado no circuito o Diretor de Recursos Humanos Marcos Ono, mas que sem ter como explicar efetivamente como fariam para receber, o executivo teria bloqueado todos os funcionários que buscam explicações, em suas redes sociais e whatsapp. “Ao menos pra mim acabaram pagando 20% da rescisão, mas ainda afirmam que vamos ter que cobrar o resto do Governador. O que não entendo é que o restaurante continua funcionando pra delivery. Nós dávamos o sangue por essa empresa, eu não tinha hora, os clientes gostam da gente, nós também somos a Fogo de Chão“, disse G., ex-funcionária do restaurante da Barra.

“Eu acho que o seu Wagner mentiu pra gente assinar sem ler. Depois que veio a história que a gente não ia receber o resto. Concordamos em não receber o Aviso Prévio, o resto eles enrolaram a gente“, revolta-se Felipe.

Cliente da Fogo de Chão de Botafogo, Bruna de Barros soube da história pela reportagem. “Sinceramente, eu acho que além da comida e da vista, o charme da churrascaria era a educação e a alegria dos funcionários, que pareciam trabalhar alegres e nos tratavam como reis. Fiquei chocada. Não vou comer numa empresa que trata os empregados assim, acho que vale o boicote“.

Ao tratar com a imprensa no fim de março, o presidente Jair Bolsonaro citou o tal artigo 486, usado pela Fogo de Chão no documento. “Tem um artigo na CLT que diz que todo empresário ou comerciante que for obrigada a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo (…) Os encargos trabalhistas quem paga é o governador e o prefeito. Tá ok?”

Elton Batalha, professor de Direito Trabalhista da Universidade Mackenzie, acredita que essa tese deve ser muito utilizada em ações nos próximos meses, mas não acha que ela prosperará: “Provavelmente, quando o Judiciário apreciar essas ações, considerará que o 486 da CLT não é aplicável à situação, pois o ato governamental de determinação de quarentena (e consequente paralisação de atividade) é justificável ante o surto da Covid-19. Caso a atitude governamental não se justificasse cientificamente, seria diferente“, diz.

Os advogados Mauricio Gasparini e Mariana Bissolli Cerqueira Cerezer, da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra, entendem “que o risco da atividade econômica é do próprio empregador e não pode repassá-lo a terceiro, o que inclui órgão da administração pública, de modo que se espera a prova cabal da sua indevida interferência“. Ou seja, traduzindo o juridiquês, para eles, o governo só teria que arcar com a indenização caso não tenha uma justificativa justa e suficiente para ter mandado o restaurante fechar suas portas. Será que uma pandemia – que é mundial e grave por excelência – reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, não seria tal justificativa?

Para o advogado Vinícius Cordeiro, a medida “não é legal, além de mostrar uma grande insensibilidade social“. Cordeiro entende que “cabe até, se os empregados quiserem agir de forma coletiva, o pedido de reintegração ao trabalho, com grandes chances de acolhimento” pela Justiça do Trabalho. Ele defende que “não há como jogar a conta no Governo“. Para João Pedro Figueira, também do ramo, “o Art. 486 da CLT está sendo claramente distorcido pela empresa. Incrível impor ao Governo o ônus que é deles. No final, quem fica desamparado é o empregado“.